Futebol e transformação social: pela união das torcidas organizadas
por Felipe Tavares Paes Lopes
O que garante a ordem social? Ou, para colocar de forma mais precisa, por que as sociedades capitalistas, apesar das desigualdades e divisões que as caracterizam, se mantém? Eis uma questão central para as Ciências Humanas e Sociais. Ao longo do tempo, muitas respostas foram oferecidas. Grosso modo, podemos dizer que uma das mais recorrentes foi a seguinte: as relações sociais são mantidas por meio da reprodução das condições materiais de existência (alimentação, máquinas, habitação etc.) e pela reprodução dos valores e crenças socialmente partilhados (igualdade de oportunidades, democracia representativa, livre-comércio etc.).
Valores e crenças que seriam difundidos e legitimados por uma série de instituições, tais como: a escola, a Igreja, os meios de comunicação, a arte… e o esporte! Sim, nesse sentido, o futebol seria uma atividade a serviço da manutenção da ordem social capitalista.
Outra resposta – também recorrente e, certamente, mais refinada – entende que a reprodução do status quo depende menos da aceitação de crenças e valores centrais e mais da incorporação de valores e crenças relativas às posições e papéis sociais que são cotidianamente atribuídos a nós. Nesse sentido, o mundo social é mantido no seu conjunto porque as pessoas desempenhariam, com sucesso, suas respectivas partes. Por exemplo, enquanto torcedores(as) e jogadores(as) de futebol agem da forma como se espera que eles(as) ajam, o universo futebolístico e a sociedade de modo geral se mantém. Ainda que essas explicações sejam relevantes, elas, como afirma John B. Thompson no seu (extraordinário) livro “Ideologia e Cultura Moderna”, subestimam o papel e a importância do dissenso, da contestação, do cinismo, do ceticismo e do conflito no mundo contemporâneo. Assim, segundo o sociólogo de Cambridge, a reprodução contínua da ordem social pode ser explicada, ao menos em parte, não em função da existência de grandes ou pequenos consensos, mas por conta justamente da falta deles. Mais exatamente, por conta da falta de um consenso das pessoas em relação a como converter sua insatisfação em ação política coerente.
Infelizmente, como a história tem nos ensinado, o ceticismo e a hostilidade à ordem social podem levar à resignação. Isso ocorre, por exemplo, quando naturalizamos as mazelas do futebol. “O ingresso está o olho da cara, mas são os custos do futebol moderno”. Pior ainda, o ceticismo e a hostilidade podem se contaminar com valores tradicionais e reacionários e conduzir a caminhos autoritários. O fascismo é, provavelmente, um dos exemplos mais emblemáticos. Por isso, a necessidade de todos(as) aqueles(as) que estão em desacordo com os rumos do mundo atual se unirem e elaborarem, coletivamente, projetos políticos alternativos. No futebol, não é diferente. Por isso, vejo com muito bons olhos a união das torcidas organizadas e a constituição de uma entidade representativa, como a ANATORG. Que ela seja capaz de transformar o descontentamento dessas torcidas com o futebol moderno em um projeto concreto que possa tornar o futebol brasileiro mais justo, popular e democrático!