Pra que proibir?

No último sábado (3/6), poucos entenderam a razão pela qual alguns torcedores corintianos que ocupavam o setor norte da Arena Corinthians acenderam sinalizadores a poucos minutos do fim do clássico entre o time do Parque São Jorge e o Santos, ainda mais porque o time da casa vencia por 2 a 0. Alguns chegaram a bradar: ‘Isso é coisa de mau cidadão’. Foi então que me questionei: é razoável condenar alguém ao título de ‘mau cidadão’ em apenas por utilizar um artefato que faz fumaça? Vale lembrar que o mesmo tipo de juízo de valor (felizmente) não costuma acontecer nem quando os maiores absurdos de nosso cenário político-criminal chegam aos noticiários.

Ressalto também a desinformação que ronda a palavra “sinalizador” desde o homicídio do menino Kevin Espada, na Bolívia, em 2013, por um torcedor do Corinthians. A extensa e justificável cobertura sobre o caso deixou uma aresta que deveria ter sido aparada, mas não foi: a linguística. A palavra homônima “sinalizador” é usada para identificar duas coisas distintas, tal como a palavra “manga”, por exemplo. O sinalizador utilizado na morte do menino boliviano era um artefato naval, projetado como item de sobrevivência em situações de naufrágio. Não é o caso dos pisca-piscas vistos insistentemente nos estádios brasileiros. Estes, por sinal, são dos poucos fogos de artifício incapazes de causar danos, pois não possuem explosivos, o que justificaria a proibição.

Poucas, porém, são as vezes em que essa diferença é pontuada pela mídia, talvez por preguiça, talvez por interesse. Bem como aconteceu com os instrumentos musicais das saudosas baterias e as faixas de protesto contra federações e emissoras, que eram retiradas pela Polícia Militar com a famosa justificativa de que, segundo o Estatuto do Torcedor, é proibido “portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo”. Não era o caso, obviamente.

Justamente devido a essa onda proibitória e higienista que vive o futebol brasileiro, algumas torcidas adotaram o uso dos sinalizadores como um símbolo de resistência.

“Ah, mas é proibido”, dizem alguns. Há algum sentido em proibir algo que não causa prejuízo a ninguém? Não. Existe algum esforço de clubes e federações para debater essas proibições com o torcedor? Não. É só mais uma medida preguiçosa, autoritária e sem efeito, como se tornou costume no Brasil, em especial no estado de São Paulo. Proíbem a torto e a direito como uma forma de esconder os verdadeiros e graves problemas que envolvem o futebol brasileiro, até mesmo em relação à violência nele presente. Se não há diálogo, a saída é a resistência. A saída é a desobediência que, no caso dos sinalizadores, não faz mal a ninguém.

​O futebol é do povo, não dos clubes, da Polícia Militar ou das federações. Diferentemente de outras formas de arte e expressão cultural, o torcedor é parte viva e essencial do espetáculo, sendo capaz, inclusive, de mudar resultados na base do grito e da festa. Isso é o futebol.

O resto? O resto é cortina de fumaça.

Fonte: Esporte Interativo