Futebol e ideologia: uma breve reflexão

por Felipe Tavares

Dentro das teorias críticas do esporte, o futebol tem sido habitualmente interpretado como um instrumento de dominação ideológica, que promoveria valores, crenças e ideias que, por sua vez, contribuiriam para dissimular as assimetrias sociais e legitimar o modo de produção capitalista, refletindo a visão de mundo burguesa. Essa interpretação tem, sem sombra de dúvida, o mérito de chamar a atenção para as relações umbilicais entre futebol, poder e capitalismo. No entanto, apresenta algumas limitações. Sem nenhuma pretensão de exaustividade, nesta coluna, discuto duas delas, que me parecem particularmente relevantes.

Em primeiro lugar, a referida interpretação tende a reificar o universo do futebol. Afinal, quem, concretamente, promove as crenças, as normas e os valores que legitimariam o capitalismo? Os atletas? Os patrocinadores? Os torcedores? A própria dinâmica do jogo? Todos eles? Enfim, quem é o sujeito da ação? Importante notar, aqui, que o universo do futebol constitui um campo de forças, onde há dominantes e dominados, que estão em disputa permanente para conservá-lo ou transformá-lo – o que, por sua vez, implica a existência de posições críticas e subversivas, como, por exemplo, a atual luta contra o processo de hipermercantilização do futebol, cada vez mais moldado pela lógica do espetáculo.

Em segundo lugar, a referida interpretação ignora que há uma distinção entre a codificação e a decodificação das mensagens veiculadas pelos indivíduos e instituições que participam do universo do futebol. Afinal, uma coisa é mostrar que essas mensagens possuem um viés reacionário e outra, totalmente diferente, é provar que, ao consumi-las, as pessoas são impelidas a agir de forma imitativa e conformista. Em outras palavras, ainda que esses indivíduos e instituições possam, eventualmente, divulgar mensagens potencialmente ideológicas, que legitimam o modo de produção capitalista, isso não significa que seus receptores irão aderir à ordem social dominante. Afinal, não são “esponjas” que absorvem indiscriminadamente aquilo que se passa diante deles, mas pessoas capazes de produzir seus próprios significados para as mensagens que recebem e que fazem um uso muito particular delas.